ONU VAI DEBATER A SUSTENTABILIDADE DAS ATIVIDADES ESPACIAIS

"As armas antissatélites não são simples quimeras. Elas já saíram das pranchetas e podem ser utilizadas a qualquer momento. Como falar em sustentabilidade de longo termo das atividades espaciais omitindo uma realidade que paira sinistra no espaço?"

A busca imperativa da sustentabilidade, após conquistar a Terra, chega ao espaço cósmico. Visa-se primeiro cuidar das órbitas do nosso planeta mais aproveitadas pelos países. O esforço em prol da sustentabilidade envolve, entre outras tarefas, a de gerenciar as áreas globais de uso comum, como frisa o francês-brasileiro Ignacy Sachs. E, claro, de modo responsável.

Trata-se de criar as condições indispensáveis para que as atividades exercidas pelos seres humanos se desenvolvam de forma sustentável – não selvagem, não destrutiva, não descontrolada, mas ordeira, estudada, calculada, racional, previsível, preservando os recursos naturais de modo a que possam ser usados tanto por quem vive hoje quanto pelas gerações futuras.


Lixo espacial


A colisão entre o satélite Iridium americano, ativo, e o Cosmos russo, desativado, ocorrida em 10 de fevereiro deste ano numa faixa de órbitas densamente utilizadas (em torno de 790 km), alertou, como nunca antes, para o alto nível de periculosidade alcançado pelo lixo espacial, numa das atividades mais necessárias, arriscadas e caras do nosso tempo.

O choque gerou mais de 1.400 dejetos de tamanho superior a 10 cm. Antes do acidente, o número de tais peças, monitoradas diuturnamente pelo Comando Espacial dos Estados Unidos, superava a casa dos 13 mil. Acrescentando as dezenas de milhares de pedaços menores de 10 cm, pode-se imaginar o monturo hoje existente no espaço próximo da Terra.


Decisão na ONU


Por isso, certamente, o tema "Sustentabilidade de Longo Termo das Atividades Espaciais", proposto pela França, foi aprovado pelo Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço Exterior (Copuos, na sigla em inglês), reunido em Viena, Áustria, para ser incluído na pauta de discussão da reunião de seu Subcomitê Técnico-Científico, marcada para fevereiro de 2010.

Em anos anteriores, a França tentou incluir o tema na agenda do Subcomitê Jurídico, o outro subcomitê do Copuos. Não teve êxito. Algumas das principais potências julgaram extemporâneo um debate político e jurídico sobre a matéria e rejeitaram a idéia francesa.

Aliás, já há vários anos eles preferem que os problemas espaciais mais complexos sejam apreciados no Subcomitê Técnico-Científico, onde se criam apenas normas técnicas, de cumprimento voluntário, não obrigatório.

Assim, o Subcomitê Jurídico, que na maior parte do meio século da Era Espacial foi a instância mais importante do Copuos, mostra-se hoje esvaziado, sem o prestígio de outrora. Cabe lembrar que, nessa arena, durante a Guerra Fria, renomados causídicos e diplomatas das grandes potências se defrontavam em duelos de profundidade doutrinária e política.

Não por acaso, o Subcomitê Técnico-Científico aprovou, em fevereiro de 2007, um conjunto de diretrizes para orientar os países no tratamento voluntário do lixão espacial – adotadas depois pelo plenário do Copuos –, que não passaram pela apreciação do Subcomitê Jurídico.

Este ano, a França aprendeu a lição. Submeteu seu projeto ao plenário do Copuos para que seja debatido no Subcomitê Técnico-Científico, na reunião de 2010.

A íntegra da proposta aprovada

O projeto francês foi aprovado nos seguintes termos:

"O Comitê [Copuos] acordou que o Subcomitê Técnico-Científico deve incluir, a partir de sua 47ª Sessão, um novo item em sua agenda intitulado "Sustentabilidade de Longo Termo das Atividades Espaciais", conforme o seguinte plano multi-anual de trabalho:

2010 – Intercâmbio geral de pontos de vista sobre os desafios presentes e futuros enfrentadas pelas atividades espaciais, bem como as medidas potenciais que poderão aumentar a sustentabilidade de longo termo das atividades espaciais, com vistas a estabelecer um Grupo de Trabalho, aberto para todos os países-membros do Comitê.

2011 – Elaboração do relatório sobre a sustentabilidade de longo termo das atividades espaciais e as medidas capazes de ampliá-la; preparação de pré-projeto com um conjunto de diretrizes sobre as melhores práticas a respeito.

2012/2013 – Continuação do exame e finalização do relatório e do conjunto de diretrizes sobre as melhores práticas, para ser submetido ao Comitê e ser por ele revisado.

O Comitê também acordou que poderá decidir se o conjunto de diretrizes sobre as melhores práticas deve ser revisado pelo Subcomitê Jurídico antes de ser endossado pelo próprio Comitê. Uma vez endossado o conjunto de diretrizes sobre as melhores práticas, o Comitê poderá igualmente decidir se o conjunto das diretrizes sobre as melhores práticas deve ser anexado à resolução específica da Assembléia Geral ou ser endossado pela Assembléia Geral como parte de sua resolução anual sobre a cooperação internacional para o uso pacífico do espaço exterior."


A chance do Subcomitê Jurídico


Como se vê, o projeto aprovado admite a possibilidade de o tema ser apreciado pelo Subcomitê Jurídico, se assim decidir o Copuos.

Esta possibilidade, ainda que incerta, foi introduzida com habilidade para que a proposta pudesse ser aceita por grande número de países, entre eles o Brasil, partidários da ativa participação do Subcomitê Jurídico no estudo do assunto. Para que o Subcomitê Jurídico possa cuidar da questão em 2012 ou 2013, será preciso haver consenso entre todos os 69 membros do Copuos. A julgar por hoje, tal consenso não será fácil de obter.

Seja como for, houve um avanço. A sustentabilidade das atividades espaciais poderá, finalmente, ser discutida no Copuos, ainda que de início apenas no Subcomitê Técnico-Científico. E esta discussão, além disso, tem carta branca para abordar "os desafios presentes e futuros enfrentados pelas atividades espaciais, bem como as medidas potenciais que poderão aumentar a sustentabilidade de longo termo das atividades espaciais", sem nenhuma restrição prévia.

Isto é muito significativo, pois inclui o exame técnico-científico não só das já bem conhecidas ameaças do lixo espacial, como também das conseqüências potenciais da instalação de armas no espaço para a sustentabilidade das atividades espaciais.

As armas antissatélites não são simples quimeras. Elas já saíram das pranchetas e podem ser utilizadas a qualquer momento. Como falar em sustentabilidade de longo termo das atividades espaciais omitindo uma realidade que paira sinistra no espaço?

José Monserrat Filho é vice-presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), membro da Diretoria do Instituto Internacional de Direito Espacial, membro efetivo (eleito) da Academia Internacional de Astronáutica e atualmente Chefe da Assessoria de Assuntos Internacionais do Ministério da C&T.

Fonte: www.boletimsupernovas.com.br

Comentários

Postagens mais visitadas